Um dos momentos mais impactantes para mim na 13ª edição do Sarau (que ocorreu em 29/06/18) foi o que chamei, chamo e chamarei de PASSOS.
O poeta DOUGLAS FAGUNDES MURTA apresentou seu poema com o aparelho de celular em punho, o mesmo - aposto - que usou para me enviar o texto, abaixo reproduzido.
Durante o sarau, infelizmente, pela minha tarefa de organizar e conduzir, muitas vezes deixo de prestar total atenção às apresentações que ali estão acontecendo.
Mas nesse dia, quando ele declamou pela primeira vez "passos", sei lá, fiquei hipnotizada. E foi com puro deleite que ouvi todo o poema ser proferido pelo poeta do inusitado...
Gostei tanto que reproduzo para vocês saborearem e, também, para ficar o registro daquele momento mágico pra mim.
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Crédito da foto: SAMARA SANTOS
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PASSOS
1
Quem sou? O próprio centro da pia. Ou a marca da minha camisa. Um pouco sujo e até louco. Não.
2
Quem liga para o ensaio quando na vida o que vale é o delírio.
3
Nos dias de chuva me escondo sem modos. Procuro no canto do quarto aquele rabisco que fiz quando criança. Parece impossível?
4
Novas formas compram pão todos os dias. São pequenas e longas. Não espero muito do ser humano. Na verdade não espero muito de mim. Sei que o maior problema ainda é a fome. Contudo, vivemos uma temporada sem alma. Gente demasiadamente normal.
5
Se pensar é um sinal do bem. Tenho pena dos elefantes. Tão inteligentes na hora de matar formigas.
PASSOS
6
Muito do que desejo já foi meu. É o caso da Lua.
7
Sonhei com pontos altos. No meio do sonho um menino corria atrás dos passarinhos e se jogava pela janela. O corpo pequeno virou um saquinho de sangue. Acordei mordido.
8
Desfilo sempre com o mesmo sorriso. Causo pouco detalhe.
9
Quando era pequeno eu gostava das fotografias 3 x 4. Hoje uma pura conta de nostalgia.
10
Nas tardes de sábado era muito comum comer nove silêncios e depois arrotar suavemente canções de protesto.
PASSOS
11
É difícil acreditar em pessoas que adoram bichos e não ajudam crianças.
12
Duvido de tudo, mas também não encontro resposta melhor que duvidar.
13
Sofro de angústia. Um vazio profundo. Chamo de ausências. Só quem tem sabe o que estou falando. Acredito que escrever seja uma boa demonstração dessa luta interior.
14
Quem continuará depois de mim? É a verdade do descaminho.
15
Queria morrer poesia.
PASSOS
16
Existe um mundinho bem mundinho debaixo dos nossos olhos e acima também. Quem enxerga deve escolher a ponte ou o tecido.
17
Delicioso o vento na Rio Branco um delírio brisa invasor.
18
Vejo ondas nas pontinhas dos prédios e não uso filtro solar para tanto ver.
19
Poesia é pesca de morada.
20
NAS PÁGINAS DE STELLA O GRITO CRUEL DE STANCY: LIBERTEM A EXCLAMAÇÃO
PASSOS
21
Sou desses que escrevem no escuro. Procuro um pouco de sangue e ar fresco. Sou esse ar condicionado. A tomada longe. Fio esticado sorrindo.
22
Sinto que sou a lâmpada do corredor. Mas não há corrente. A lâmpada nova e apagada.
23
Encontro nos olhos dos outros os meus tropeços.
24
Quem registra nascimentos? Sabe de mim as piores mensagens.
25
Um homem escreveu coisas incríveis e depois me falaram que ele não era daqui. Deve ser assim mesmo. Porra nenhuma! Ele mora bem aqui nas minhas páginas.
DOUGLAS FAGUNDES MURTA
KARLA ANTUNES