quinta-feira, 26 de julho de 2018

PASSOS

Um dos momentos mais impactantes para mim na 13ª edição do Sarau (que ocorreu em 29/06/18) foi o que chamei, chamo e chamarei de PASSOS.

O poeta DOUGLAS FAGUNDES MURTA apresentou seu poema com o aparelho de celular em punho, o mesmo - aposto - que usou para me enviar o texto, abaixo reproduzido.

Durante o sarau, infelizmente, pela minha tarefa de organizar e conduzir, muitas vezes deixo de prestar total atenção às apresentações que ali estão acontecendo.

Mas nesse dia, quando ele declamou pela primeira vez "passos", sei lá, fiquei hipnotizada. E foi com puro deleite que ouvi todo o poema ser proferido pelo poeta do inusitado...

Gostei tanto que reproduzo para vocês saborearem e, também, para ficar o registro daquele momento mágico pra mim.

Crédito da foto: SAMARA SANTOS



PASSOS
1
Quem sou? O próprio centro da pia. Ou a marca da minha camisa. Um pouco sujo e até louco. Não.

2
Quem liga para o ensaio quando na vida o que vale é o delírio.

3
Nos dias de chuva me escondo sem modos. Procuro no canto do quarto aquele rabisco que fiz quando criança. Parece impossível?

4
Novas formas compram pão todos os dias. São pequenas e longas. Não espero muito do ser humano. Na verdade não espero muito de mim. Sei que o maior problema ainda é a fome. Contudo, vivemos uma temporada sem alma. Gente demasiadamente normal.

5
Se pensar é um sinal do bem. Tenho pena dos elefantes. Tão inteligentes na hora de matar formigas.


 PASSOS
6
Muito do que desejo já foi meu. É o caso da Lua.

7
Sonhei com pontos altos. No meio do sonho um menino corria atrás dos passarinhos e se jogava pela janela. O corpo pequeno virou um saquinho de sangue. Acordei mordido.

8
Desfilo sempre com o mesmo sorriso. Causo pouco detalhe.

9
Quando era pequeno eu gostava das fotografias 3 x 4. Hoje uma pura conta de nostalgia.

10
Nas tardes de sábado era muito comum comer nove silêncios e depois arrotar suavemente canções de protesto.

 PASSOS
11
É difícil acreditar em pessoas que adoram bichos e não ajudam crianças.

12
Duvido de tudo, mas também não encontro resposta melhor que duvidar.

13
Sofro de angústia. Um vazio profundo. Chamo de ausências. Só quem tem sabe o que estou falando. Acredito que escrever seja uma boa demonstração dessa luta interior.

14
Quem continuará depois de mim? É a verdade do descaminho.

15
Queria morrer poesia.

 PASSOS
16
Existe um mundinho bem mundinho debaixo dos nossos olhos e acima também. Quem enxerga deve escolher a ponte ou o tecido.

17
Delicioso o vento na Rio Branco um delírio brisa invasor.

18
Vejo ondas nas pontinhas dos prédios e não uso filtro solar para tanto ver.

19
Poesia é pesca de morada.

20
NAS PÁGINAS DE STELLA O GRITO CRUEL DE STANCY: LIBERTEM A EXCLAMAÇÃO

 PASSOS
21
Sou desses que escrevem no escuro. Procuro um pouco de sangue e ar fresco. Sou esse ar condicionado. A tomada longe. Fio esticado sorrindo.

22
Sinto que sou a lâmpada do corredor. Mas não há corrente. A lâmpada nova e apagada.

23
Encontro nos olhos dos outros os meus tropeços.

24
Quem registra nascimentos? Sabe de mim as piores mensagens.

25
Um homem escreveu coisas incríveis e depois me falaram que ele não era daqui. Deve ser assim mesmo. Porra nenhuma! Ele mora bem aqui nas minhas páginas.

DOUGLAS FAGUNDES MURTA

KARLA ANTUNES

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